Pôpa Fiction

O ar quente invadia os escritório escuro do Leonardo, sempre que Agosto chegava era a mesma coisa, baixava-se o estores e enquanto o sol deixava marcas lá fora deixava-se a penumbra entrar silenciosamente. O Leonardo não gostava nada disto, fazia-lhe confusão que com tanta luz lá fora tivesse de que andar a apalpar caminho dentro do escritório. Mas a Adriana era implacável e se a temperatura subisse dos 20 graus era preciso aplacar de uma vez por todas o calor e o sol deixava de ter ordem para entrar. Mas naquela tarde até a inflexibilidade da Adriana estava com dificuldade em conter a calor lá fora, e ficava-se na dúvida se as ventoinhas espalhadas pelo escritório refrescavam o ar ou se simplesmente ajudavam o ar quente a tomar conta do espaço.

Quando a Adriana abre a porta intempestivamente o Leonardo temeu pior... Passou-se com o calor... Mas não... Leonardo, tens aqui uma gaja para falar contigo! O Leonardo ficou na dúvida se a irritação da Adriana tinha mais a ver com o calor ou com a gaja. Sem saber se a sua resposta não poderia despoletar o apocalipse o Leonardo replicou Manda-a entrar! Uma silhueta entrou pela sala e sentou-se na cadeira em frente da secretária e embora a luz não fosse suficiente para conseguir distinguir muitos pormenores, parecia haver por ali alguns sinais de opressão. Um corpo oprimido por um vestido dois tamanhos abaixo... Posso fumar?... Não! respondeu o Leonardo. Depois de uns momentos de silencio incomodo ouviu-se o som familiar de um Zippo a acender um cigarro. Paciência. Apetece-me um cigarro. O Leonardo levantou-se e encostou-se à frente da secretária para tentar manter uma posição de superioridade sobre aquela figura. Como se chama? O crepitar do cigarro parou após alguns momentos a preparar a resposta. Isso não interessa por agora.

Hot Lips Tinto 2012 - Querido, este vinho não é o que estás a pensar
Entre o violeta e o granada, ligeiramente translúcido com aromas a terra molhada, cânfora e um ligeiro quimico, tudo com um perfil muito mineral. Boa acidez, muito fresco, longo na boca

E o que te trás por aqui? Pausadamente ela conta-lhe: Sabes há muitos anos atrás eu tinha uma vida diferente. Vivia num convento e tinha fé. Era uma congregação rural perto do Pinhão onde o vinho era sagrado. Vivíamos ao ritmo da vinha e o trabalho árduo e a fé recompensava-nos com grandes vinhos. Fruto do esforço de décadas outras irmãs antes de nós tinham conseguido cultivar e seleccionar leveduras indígenas que davam um carater verdadeiramente único aos nossos vinhos e que faziam deles um tesouro disputado. Ela estica-se da cadeira e esmaga o cigarro na borda da secretária.

Tão disputado que não tardou muito que um bispo menos escrupuloso resolvesse que seria demasiada riqueza para estar nas mãos de noviças de um convento marginal e fora do controlo direto dos poderes da Cúria Romana. Ouve-se de novo o click característico de um Zippo a acender, sendo que desta vez mais do que um ato de desafio se sentia como a única reação possível a um estado de imponderabilidade que impedia qualquer outra reacção. Retiraram-nos tudo e despojaram-nos para um casal ermo na serra. Tivemos de reconstruir tudo e fazer reviver uma vinha centenária abandonada que havia por lá. Mas se esta vinha não nos dava menos que a outra ainda assim estávamos a muitas décadas de trabalho para conseguir voltar a cultivar e selecionar leveduras que pudessem imprimir o carácter que tínhamos antes.

In The Flesh Tinto 2012 - Atenção! Este vinho é um pedaço de mau caminho
Entre o violeta e o granada, ligeiramente translúcido, algo fechado de aromas a deixar transparecer alguns aromas balsâmicos e mentolados. Acidez menos notoria num vinho que vive menos da potencia e mais da elegância com um perfil muito feminino

Depois de tanto esforço, perdi a fé e saí do convento à procura de vingança e de restituição para as minhas irmãs. O ar continuava insuportavelmente quente e agora mais denso fruto do fumo dos cigarros. Vingança? Está quente demais para vingança! exclamou Leonardo para disfarçar a curiosidade que começava a despertar-lhe esta história... O que queres tu de mim? pensava Leonardo. Como se adivinhasse o que passava na cabeça do Leonardo aqueles lábios quentes continuaram Sabes Leonardo, eu sei bem quem tu és. O Leonardo replicou sem se alterar Quem eu sou? Um detetive privado que sobrevive a descobrir infidelidades de velhos porcos para a suas mulheres frígidas? Uma sonora gargalhada invadiu a sala. Queres convencer-me que não tiveste nada a ver com o roubo de diamantes em Antuérpia? O Leonardo percebeu que o trabalho de casa tinha sido bem feito. Numa espécie de fuga para a frente sem negar nem confirmar nada, pergunta Mas afinal o queres de mim?

O olhos dela brilharam no escuro Quero que roubes as leveduras para devolver à congregação. Estão guardadas num cofre refrigerado de um laboratório de leveduras que mantém a cultura e as reproduz quando é necessário na vindima. O Leonardo mostrou pela primeira vez um ar contrariado, Mas se sou quem dizes porque havia de perder tempo com umas leveduras de umas freiras que acham que são rebeldes? Sem hesitações, ela respondeu-lhe: Porque não és capaz de resistir a um desafio e se roubar pedras inertes criadas há 500 milhões de anos é um desafio, mais será roubar um frágil ser vivo unicelular seleccionado pelo homem e único no mundo do laboratório mais seguro do mundo. Por esta altura Leonardo sentia-se transparente com se de vidro fosse feito... O que ganho com isso? Leonardo sentiu uma baforada de fumo a chocar contra a sua cara Um abastecimento para a vida do melhor vinho do mundo.

The Grape Escape Tinto 2012 - Este vinho é um assalto em frente. Copos ao alto!
Entre o violeta e o granada, ligeiros aromas animais equilibrados por alguma terra molhada. Acidez ligeira bem acompanhada por taninos finos mas bem presentes a marcarem agradavelmente a boca de uma maneira muito elegante.

Leonardo chega-se à beira dela, pega no cigarro que ela tinha na mão para lhe dar um trago apagando-o de seguida no braço da cadeira onde ela estava sentada e pergunta-lhe: Quando é que começamos?