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Boas Novas do São Gabriel

Este ano eu e Ana já tínhamos cometido mais extravagâncias do que seria desejável mas estando no Algarve por uma semana, não quisemos deixar passar a oportunidade para fazer uma visita ao chefe Leonel Pereira na sua nova casa. O que tínhamos visto até aí via facebook, instagram e noutros blogues parecia prometedor e bom augúrio para a nossa visita. Poucos dias antes, um casal amigo tinha passado por lá e confirmou-nos que o nível estava alto e ainda nos deixou com mais água na boca.

Boas Novas do São Gabriel - reservarecomendada.blogspot.pt

Não conhecia a sala. Bem, na realidade no Verão quase todo o serviço é feito na esplanada, sendo a sala fundamentalmente usada no Inverno. Fomos recebidos pela equipa de sala e o chef não tardou em vir cumprimentar-nos, conversamos um bocadinho e entrámos para ver a sala propriamente dita, espreitámos a pequena horta que o chef tem vindo criar nas traseiras do restaurante e visitamos a cozinha. A combinar com o Verão e com a esplanada, o serviço é mais informal e caloroso do que estaria à espera sem no entanto perder em qualidade e atenção.


O serviço no São Gabriel é feito à carta ou em menu de degustação. Apesar de na carta apenas constar um menu de degustação chamado Tentações Culinárias by Leonel Pereira é também servido um menu de degustação com mais alguns pratos, chamado pela equipa de Big Taste e que é dado como opção aos clientes que demonstrem interesse por um menu de degustação mais longo e que poderá incluir pratos que não façam ainda parte da carta.

Aliciados pelo chef acabamos por optar pelo Big Taste que nos permitia provar mais do que tem sido o seu trabalho nesta primeira metade do ano aqui no São Gabriel. Mal sabiamos o que nos estava reservado... Começamos com uma sequência de três snacks em que parecem ser exploradas algumas ligações mais pessoais e emocionais do chef com a comida. Primeiro a Vieira Marinada com Guacamole que chegava à mesa “empratada” numa lima que devíamos apertar para que sumo desta temperasse o guacamole e a vieira preparada como se fosse cheviche e que por isso tinha uma textura mais mole do que é normal, quase a fazer lembrar a textura de uma ostra crua.


De seguida o Falafel de Tremoço, um ato provocatório que provavelmente só será compreendido pelos clientes portugueses e que normalmente é acompanhado por uma lambreta para tornar ainda mais completa a provocação. No nosso caso não o foi pois ainda tínhamos no copo o espumante com que iniciamos a refeição. Chegava ligeiramente refrescado pela hortelã e era servido sobre uma pedra de sal. Notava-se a textura dos tremoços a chiar nos dentes reforçando ainda mais a provocação.


O terceiro snack era o Corneto de Bacalhau recheado com uma brandade de bacalhau perfeita em textura e leveza salpicada com um "pó" de azeitonas. Mais uma evocação de memórias.


Após o Corneto, chegávamos à Ria Formosa. Uma pequena hóstia de camarão e algas vermelhas era guarnecida por pequenos camarões secos, junto desta tínhamos duas pernas de caranguejo também secas, um componente chamado de fitoplâncton e um tubo dourado com um creme de algas.


Tudo se come, com a exceção óbvia do tubo propriamente dito. Uma perfeita evocação dos sabores dos peticos dos pescadores da ria com o cheiro a mar a insinuar-se logo à chegada do prato. O creme de algas é colocado sobre a hóstia e os camarões e come-se à mão sentindo o sabor a mar e crocante dos camarões. O fitoplâncton e as pernas de caranguejo também são comidos à mão, o fitoplâncton deve ser agarrado com cuidado pois desfaz-se com muita facilidade. O fitoplâncton apesar de se integrar bem com o resto do prato em termos de sabor gerando uma explosão de sabor a mar na boca, visualmente parece um pouco desintegrado do resto do prato. Um pormenor que poderá valer a pena rever.


A partir daqui começa o que consideraria uma segunda parte do menu que é constituída por três entradas. A primeira chega-nos à mesa com uma interrogação: Peixe ou Carne?


Eu e Ana dividimo-nos entre duas possibilidades: Atum ou Pato. Obviamente enganámo-nos… A proteína chegava-nos sob a forma de uns falripos secos e numa espécie de rebuçado chegava-nos um doce de kumquat. Uma ligação muito interessante entre a secura e um ligeiro fumado da proteína e o doce citrino. A ideia de poder ser pato não era totalmente inocente pois poderia tratar-se de uma referência velada ao clássico pato com laranja. E ideia do atum vinha de uma evocação a um produto tradicional algarvio mas pouco conhecido, a muxama, lombo de atum seco. Mas foi tudo ao lado... Qual era a proteína? Enquanto escrevo este artigo hesito... Revelo ou não?... Não, vou ser mauzinho... Vão ter de lá ir para saber o que é...

Sendo algarvio a cozinha do chef Leonel Pereira já tinha bastantes referências aos produtos algarvios mas esta nova aventura tem proporcionado ainda mais oportunidades para o fazer. Uma destas referências é a utilização de pedras de sal em alguns empratamentos. Quando falo em pedras não estou a falar de “pedrinhas” de sal mas de PEDRAS como aquelas que são usadas para os bifes na pedra. Estas pedras que foram usadas com o falafel e com o prato seguinte são provenientes das minas de sal-gema de Loulé.

O Sal-Gema é proveniente de jazidas subterrâneas que resultam da cobertura rápida de massas de água salgada por terra na sequência de movimentos tectónicos. A jazida de Loulé encontra-se debaixo de toda cidade terá cerca de um quilómetro de profundidade e estende-se pela zona leste de Loulé, embora ninguém saiba exatamente onde acaba. Há quem diga que há ramos desta jazida que se estendem até Barcelona onde existe uma mina com características semelhantes. A jazida conhecida permitiria a extração anual de 100 toneladas de sal durante 3000 anos… O sal-gema é mais salgado que o sal de cozinha e não se desfaz com tanta facilidade como este. No caso da mina de Loulé o sal é extraído usando métodos mineiros comuns e é usado para aplicações industriais e como descongelante para derreter a neve e o gelo nas estradas. Jorge Raiado e a sua empresa Salmarim, que trabalha na área do sal marinho na área de Castro Marim, associaram-se à CUF que explora a mina, para recolher algumas pedras maiores que só atrapalham o trabalho normal da mina mas que devidamente cortadas e tratadas podia ser usadas para fins alimentares. E são estas pedras de sal que são usadas pelo chef para servir o Atum Rabilho na Pedra de Sal.


Uns dias antes tinha visto no instagram do chef um lombo de atum rabilho que me tinha deixado com água na boca. Podem imaginar a minha excitação ao ver chegar este prato à mesa. Rapidamente a excitação passou a espírito de missão… Não posso deixar passar demais... Tira fotografia, vira, espera um bocadinho, tira fotografia, sela as laterais… E agora?... Onde ponho o atum para não o deixar passar mais?... Bem, o prato do pão está mesmo aqui à mão… Acho que ninguém se vai chatear se o usar para colocar o atum…


Estava tão bom quanto parece… A pedra de sal passava o seu sabor para o atum complementando o tempero e a cebola caramelizada ligava na perfeição. Um prato de uma simplicidade atroz e com algum risco pois põe nas mãos do cliente o resultado final do prato. Mas isso provavelmente até não será um problema grave pois quem gosta do atum mal passado agirá rápido como eu fiz e quem demorar a reagir provavelmente não gostaria do atum mal passado de qualquer maneira. E afinal de contas o cliente tem sempre razão… Como único reparo, penso que seria desejável que ao lado da pedra quente houvesse uma zona fria (prato, pedra, etc) para colocar o atum quanto estivesse no ponto desejado.

Para encerrar esta segunda fase do menu tínhamos o Filete de Cavala ligeiramente Fumado, aipo caramelizado, compota de cebola branca e açafrão. O filete de cavala é fumado no restaurante e a ligação do fumado com o doce funciona estupidamente bem... Não há muito a acrescentar...


Neste momento para marcar a entrada numa nova fase da refeição chegaram à mesa o pão e as manteigas. Foram bem recebidos, embora a sucessão de pratos que chegara à mesa não tivesse permitido que sentíssemos a sua falta.


Uma das coisas que o chef tem tentado fazer para marcar a diferença neste capitulo é ter todas as semanas uma manteiga diferente. Na semana em que lá fomos era a semana da manteiga de lima.


Iniciou-se então uma nova fase da refeição com os pratos principais. E o primeiro destes pratos era o Filete de Pregado cozinhado em vapor de cítricos, com cremoso de aipo, espargos brancos com laranja, ruibarbo e jus leve de hortelã. O pregado cozinhado no ponto e com uma textura firme deixando revelar a sua qualidade. Uma ligação perfeita com o aipo que normalmente casa muito bem com este tipo de peixe, complementada pelos espargos, a laranja e o ruibarbo que também emprestava cor ao conjunto.


O chef que mais tarde comentava connosco que se pudesse só cozinhava peixe, decidiu então presentear-nos com um segundo prato de peixe que ainda não estava na carta e que fazia nesse dia a sua segunda aparição. Curiosamente o seu primeiro serviço tinha sido feito uns dias antes a um casal que tinha partilhado connosco aquele mítico jantar no segundo Peixe em Lisboa e que também esteve no jantar de despedida a Lisboa realizado no Eleven. Tratava-se do Salmonete com Laranja em cura de sal fumado e açúcar. Mais uma vez salmonete no ponto com uma textura perfeita, explorava-se a ligação do salmonete com os citrinos e em especial com a laranja que não sendo novidade nos pratos do chef era aqui conseguida de uma maneira nova em que os citrinos eram desidratados em sal fumado e açúcar comendo-se inclusive a casca. Se o pregado estava no limiar da perfeição em relação ao salmonete faltam-me as palavras para exprimir a qualidade deste prato. Em luta bastante cerrada com o atum e com uma vantagem tangencial em relação a outros pratos como a cavala e o pregado, o salmonete terá sido o melhor prato da noite. Diga-se ainda que há uns dias atrás foi este o prato escolhido pelo chef para apresentar no Festival Rota das Estrelas realizado no Restaurante Feitoria do Hotel Altis Belém.


Curiosamente estes dois pratos de peixe apresentavam um dos meus peixes preferidos, o pregado, e um dos peixes preferidos da Ana, o salmonete. Se tivéssemos de escolher um prato de peixe de uma carta em que estivessem estes pratos existiria um grau de probabilidade muito elevado de eu escolher o pregado e a Ana o salmonete. Confesso que desta vez até me rendi ao salmonete. Mas até estas felizes coincidências se conjugam em certos dias para tornar uma excelente refeição num evento memorável e emocional.

Terminamos esta fase da refeição com o prato de carne que era Presa do Porco Ibérico Assada servida com batatas confitadas em baunilha, couve roxa fumada e jus de mostarda e mel. Da mesma maneira como ultimamente os vinhos brancos me tem entusiasmado mais que os tintos, tenho andado a preferir os pratos de peixe aos pratos de carne, apesar ser carnívoro por convicção quase religiosa. Assim a presa de porco ibérico sofreu um pouco com esta minha tendência, apesar de me ter levado por uma viagem gastronómica muito curiosa. Mais uma vez, perfeito o ponto de cozedura, comecei por comer a parte mais fina e onde se notava um pouco mais de gordura na carne e quase parecia que estava a comer um bife com batatas fritas. À medida que começava a comer a parte mais alta e que começava a apanhar mais couve com cada garfada cada vez mais os sabores do cozido à portuguesa me vinham à memória. Muito interessante esta progressão que provavelmente será mais uma ficção da minha memória do que uma realidade partilhada com os outros que comam este prato.


Passada mais uma fase desta refeição chegamos ao capítulo doce. Para fazer a transição, uma pré-sobremesa que funcionava como limpa-palato. Tratava-se de um granizado com ruibarbo (ou seria tamarilho?...) que se revelou bastante eficaz como limpa-palato. Para alguns trará memórias de infância dos gelados e granizados em que sentia os cristais de gelo na boca. Eu confesso que este tipo de texturas não me entusiasma muito mas foi muito certeiro na intenção e na função.


De seguida o Fofo de Laranja com musse de iogurte grego e gelado de maracujá, muito fresco, com a acidez dos citrinos e do maracujá a reforçar a frescura do gelado, dando-lhe uma leveza muito interessante. Era complementada por uma espécie de telha de chocolate a explorar a ligação clássica e ganhadora do chocolate com a laranja.


Para terminar, julgávamos nós, a Tarte de Ruibarbo com crumble de baunilha, gomas de rosa e sorvete de framboesa em que a doçura da tarte era equilibrada pela acidez dos frutos vermelhos e do próprio ruibarbo materializando-se num empratamento que dava pena destruir. Ainda andavam por ali a passear umas peta-zetas que apesar que se estarem a transformar num cliché dão sempre um toque divertido à comida além de funcionarem quase como um intensificador de sabor ao fazer os sabores explodir na nossa boca.


Uma das coisas que se notava na sala e na cozinha era uma grande empatia e entusiasmo que existia entre toda a equipa que acabava por passar para nós quer na comida quer no serviço. O chef mais do que qualquer outro demonstra esse entusiasmo que parece estar a permitir dar largas à sua criatividade que estava um pouco cerceada pelas responsabilidades acrescidas que tinha no Panorama. À falta de melhor e correndo o risco se ser acusado de plágio vou ter que parafrasear o que escreveu o Raúl Lufinha na Mesa do Chef dizendo que se sente felicidade nesta equipa.


O nível está bastante alto e por esta amostra que tem vindo a ser corroborada por outros relatos que tenho ouvido, seria muito estranho que a estrela Michelin não se mantivesse a brilhar no céu do São Gabriel. Parece mesmo haver potencial para mais do que isso mas esse caminho será certamente mais longo e demorado.

Todo o menu foi sendo competentemente acompanhado por vinhos a copo sob a sugestão do escanção Victor d'Avó. Dada a primazia ao mar presente neste menu, os brancos acompanharam obviamente grande parte da refeição. Destaque para o Redoma Branco que acompanhou os pratos de peixe. Após o final na refeição o Victor d'Avó, que faz também o serviço de bar, ainda nos preparou um belíssimo gin tónico.


Com o café e o chá chegaram ainda estas mignardises onde até se adivinhava uns bocadinhos de um pudim a piscar o olho ao Abade de Priscos.


Finalmente, ainda comemos um pedaço do bolo de aniversário da Fátima, que estava na mesa ao lado a comemorar o seu aniversário com a família e amigos, e que generosamente insistiu partilhar connosco o bolo com o qual o chef Leonel Pereira a surpreendeu nesse dia.


Por esta altura tinham passado quatro horas que pareceram passar a correr como sempre acontece nestas ocasiões. Ainda ficamos mais uma hora a conversar com o chef enquanto acabavamos o gin tónico. Não será possível voltar frequentemente mas quando voltarmos ao Algarve para férias tentaremos fazer uma visita ao chef Leonel Pereira.

Portugal - O Melhor Peixe do Mundo - www.wook.pt

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